Rafeirão

Rafeirão era o último descendente de uma longa e distinta linhagem de rafeiros. Desde tempos imemoriais que a sua família tinha desempenhado papéis fundamentais na história da humanidade, tendo como exemplo mais saboroso o tetravô Ra Fei Lu, que rezam as crónicas terá servido o Imperador chinês Béu Béu (outras crónicas dizem que ele foi servido ao Imperador, mas não vamos explorar essa parte).
Tal herança dinástica angustiava Rafeirão, pois via todos os seus parentes com sucesso na vida, desde a manutenção da Lei e Ordem até à condução de invisuais pelos perigos das nossas ruas. Claro que, como em qualquer família, havia a ovelha negra, ou melhor, o rafeiro negro. Para desgosto de toda a família, o tio Snifador meteu-se na droga, após anos e anos a fiscalizar as malas que desembarcavam no Aeroporto da Portela, tendo posteriormente sido metido numa clínica de reabilitação, onde ainda hoje se encontrava.

Mas Rafeirão não se podia comparar com apenas um exemplo mau, pois toda uma família de benfeitores clamava pelo seu esforço em prol da sociedade. E as coisas não estavam famosas.

O seu tempo começava a escassear, pelo que tinha de descobrir rapidamente uma forma de ascender ao estrelato. E foi então que uma ideia o atingiu violentamente. Quer dizer, não foi bem uma ideia, mas uma bola de futebol. Era isso, ia tornar-se um jogador profissional, daqueles capazes de levantar estádios inteiros com as suas habilidades! Só havia um pequeno problema: não tinha jeito nenhum para a coisa. Ele bem corria atrás da bola, mas a tentação era abocanhá-la, ao invés de a pontapear para as redes. Passou dias inteiros a praticar, mas a única coisa que conseguiu foi rebentar 38 bolas e arranjar uma úlcera gástrica ao treinador.

Colocada de parte a carreira futebolística, deram-lhe uma outra função, também ela ligada ao mundo da bola: morder o árbitro sempre que este cometesse um erro. Reformou-se passados cinco jogos, já com os dentes gastos, tendo de passar o resto da vida a comer sopa por uma palhinha. Pois é, o mundo da bola não é para qualquer rafeiro...
Texto de Jorge Pereira - Blogue: Rafeiro Perfumado (Todos os direitos de autor reservados)
